Acerto de Contas
O homem de meia-idade, vestido com um agasalho esportivo desgastado, segurava uma bola de futebol contra o peito e levantando o braço direito perguntava:
- Goleiro?
Dois garotos ergueram seus punhos cerrados, numa demonstração de firmeza quanto a posição em que jogavam.
- Você para lá, o outro para cá. A ordem seca era cumprida rapidamente.
- Lateral direito?
- Zagueiro central?
- Quarto zagueiro?
Em pouco tempo eram formados dois times aleatórios. Os que sobravam aguardariam a vez na beira do campo.
Os jogadores tomavam suas posições, nitidamente nervosos. Aquele era mais um teste chamado de "peneira": uma seleção em que os avulsos e renegados sonhadores tardios tentavam a sorte. A idade dos aspirantes variava de 17 a 19 anos, já atrasados para começar uma carreira de jogador de futebol. O comum era que meninos entre 13 e 15 anos já treinassem nos clubes.
O homem de agasalho esportivo seria o árbitro, enquanto outro treinador, um senhor mais velho e com um vasto bigode a lhe adornar o rosto, ficaria à beira do campo observando a partida. Nenhum deles tinha uma prancheta ou um bloco de anotações, só o olhar.
Eles sabiam que uma observação isolada não seria capaz de reconhecer um potencial talento, mas em todas as quintas-feiras eram dezenas de candidatos. Com o tempo, desenvolveram a frieza e a indiferença de um sargento que vê recrutas chegando a uma guerra.
Na maioria das vezes, os selecionadores já sabiam em quem prestar atenção: nos jogadores trazidos por "olheiros" e que se destacaram em times do interior. Na prática, só esses eram avaliados. Os outros faziam uma conveniente e involuntária figuração.
Muitos dos que compunham a massa de jogadores sem indicação já eram veteranos dançarinos daquele baile da esperança, que tentavam meses a fio o jogo perfeito, o gol de placa e o drible consagrador. Mas nunca haviam perguntado o nome a eles.
A triagem durava cerca de 20 minutos, e cada segundo era crucial. Mas a bola era caprichosa e, não raro, um candidato sequer a tocava durante o tempo disponível. Quem tinha a sorte de poder dominá-la, tinha que ser certeiro ao mostrar a injustiça que era não ter sido acolhido por nenhum clube ainda.
Quando o apito estrilava num silvo longo, era sinal de que o tempo acabou. Esse era o momento em que todos voltavam seus olhares para o homem de bigode na beira do campo, esperando o gesto redentor: um dedo apontado para sua direção, acompanhado da pergunta "qual o seu nome?".
Os escolhidos (geralmente um ou dois), eram convidados a voltar num outro dia para treinar junto com o time de juniores. Talvez fossem aproveitados. Talvez realizassem o sonho da infância.
Naquele dia, somente um garoto foi apontado. Todos os outros baixaram o olhar, uns resignados, outros indignados. Ainda não seria daquela vez.
Os treinadores saíam rapidamente, fugindo dos apelos e das perguntas. Na beira do gramado, os dispensados se vestiam para ir embora, normalmente só trocando as chuteiras por tênis e pondo calças compridas por cima dos calções. O silêncio era proporcional às suas frustrações e só alguns poucos comentavam sobre a falta de sorte e sobre onde e quando seria a próxima peneira.
Mas um dos preteridos - um goleiro - estranhamente sorria satisfeito. Aos dezoito anos, ele era um dos mais velhos do grupo e há muito tempo não jogava pra valer. Tocou na bola duas vezes, não fez nenhuma defesa importante e sofreu um gol no qual não falhou. Ele estava ciente da baixíssima chance de sucesso, mas, mesmo assim, fez o seu melhor. A simples ida ao teste lhe exigiu empenho, pois suas tardes não eram livres nos dias úteis. Ninguém lhe perguntou, mas se alguém quisesse saber o motivo de seu discreto contentamento, saberia que ele sorria porque havia sido feito um ajuste de contas com alguém do seu passado: um menino que, aos doze anos, temia não crescer o suficiente para ser um bom goleiro, que sonhava um dia poder comprar um par de luvas "oficiais" e que pulava muros para assistir de perto aos treinos dos goleiros profissionais de um time da cidade. Um menino que, aos quatorze anos de idade, já trabalhava oito horas por dia e estudava à noite.
No caminho até o ponto de ônibus, o grupo de descartados seguia em silêncio.
Dentro de cada um deles, uma criança sonhadora segurava o choro.
Menos o pequeno goleiro sem luvas, que ficou naquela grande área para sempre.
[F.R.Luz]