O Que Vale Mesmo a Pena

          A
inda é noite de sábado e o menino já pergunta detalhes da partida que só vai acontecer na tarde – quase noite – de domingo. O uniforme (oficial) de torcedor –mirim já está separado para o grande dia. Não importa se o adversário será um time do interior do estado, o Flamengo ou o CSA de Alagoas. A empolgação dele é a mesma. Os pequenos dedos ágeis já descobriram na Internet qual jogador foi liberado pelo departamento médico, qual vai ficar fora porque está suspenso pelo terceiro cartão amarelo, quem são os destaques do adversário e qual será a camisa com que eles jogarão…
          A manhã de domingo passa rápido. O almoço é engolido com pressa. A hora de ir para o estádio está chegando e ele já está pronto desde que acordou: camisa 10, personalizada, chuteiras, meião e calção preto. – “Falta muito para ir, pai?” Peço calma, já pensando nos detalhes logísticos de uma jornada nada simples para quem - como eu - estava acostumado a pensar num jogo de futebol como apenas uma diversão. As coisas mudaram desde a década de 80, quando eu ia com amigos despreocupadamente para o estádio. Hoje não há como relaxar. O instinto manda executar uma sequência de cuidados e providências preliminares. Se antigamente só o dinheiro do ingresso e uma bandeira bastavam, hoje há um verdadeiro “checklist” a ser conferido: documentos (a criança de sete anos tem que provar que não tem doze), trajetos de acesso, estacionamento, a fila do (caro) ingresso, dinheiro para despesas com alimentação, qual o melhor acesso (vai ter torcida adversária?), planos de emergência em caso de perder-se do pai (embora seja mais fácil um braço meu ser arrancado do que eu largar a mãozinha dele) e a última ida ao banheiro. Tudo certo!
          O jogo é às seis da tarde e às quatro e meia entramos no carro (janela fechada, por segurança). Passamos na casa do primo que vai junto torcer. Ainda no caminho a pé do estacionamento para o estádio, ele ouve os tambores e os cantos da torcida organizada, e sorri. Lá dentro, seus olhos brilham ainda mais com o mar de camisas, bandeiras e faixas nas cores do time do coração. Como chegamos cedo, escolhemos os melhores lugares do setor popular. Ele não gosta de assistir aos jogos nos lugares mais calmos, com gente sentada e cadeiras marcadas. Até tentei ficar lá algumas vezes, mas ele achou tudo parado e sem graça. Não teve jeito, o lugar para ele (e para mim), era mesmo no meio do povão, na arquibancada mais barata, em pé e entoando gritos de guerra.
          Aos poucos o estádio vai virando um mar de gente, nem sempre educada: cigarros, palavrões, gritos... Mas ele pula, grita, vibra. O jogo começa e só então, no meio da confusão da arquibancada que balança é que eu me sento no cimento úmido e relaxo. A missão está quase cumprida. Faltam dois tempos de quarenta e cinco minutos e um intervalo de quinze...Na verdade, eu nem assisto ao jogo direito e só torço pela vitória do time para ver o menino feliz. Concentro-me na alegria pura da criança, e agradeço a Deus por esse momento sublime, que faz tudo valer a pena. 


[F.R.Luz]