Profundos Olhos Azuis
No antigo prédio do centro em que trabalhei havia um velhinho ascensorista que, na época, tinha uns oitenta e poucos anos. Caucasiano, magro com ralos cabelos e farto bigode totalmente brancos e olhos de um profundo azul.
Seu rosto expressivo transmitia um misto de paz e resignação. A aparência física, combinada com óculos de grossas lentes esverdeadas e uma boina xadrez de lã, lhe davam a fisionomia de um personagem de histórias sobre velhos sapateiros ou anciãos de aldeias europeias.
O clima da cidade, naqueles tempos, era consideravelmente mais frio e o velhinho nunca dispensava um colete de lã por cima da camisa clara, em conjunto com uma surrada calça social em tons de cinza ou azul e sapatos baratos, sempre bem engraxados. Arrematando sua apresentação, ele usava o manto distintivo de seu ofício: um guarda-pó azul claro, que combinava com seus olhos.
Hábil na operação dos botões e da manivela (nos elevadores antigos, as portas eram comandadas pelo ascensorista), ele memorizava o andar de destino dos passageiros habituais de maneira que, tão logo entravam no elevador, mesmo antes do protocolar "bom dia" já recebiam dele uma pergunta propositadamente simples, para que o ascensorista tivesse tempo de ouvir pelo menos uma resposta ligeira. Eram conversas rápidas, porém muito importantes para ele, que fixava um atento olhar na pessoa com quem interagia.
Mas, como o prédio era relativamente baixo, só os funcionários dos escritórios mais altos tinham tempo para engrenar um diálogo minimamente consistente com o velhinho. Os assuntos eram, quase sempre, impessoais e simples: custo de vida, preço das passagens de ônibus, resultados do futebol, noticiário policial e, eventualmente, algum comentário sobre alguém do condomínio.
Às vezes, quando ninguém se dispunha a uma prosa, ele arriscava assobiar ou cantarolar baixinho uma melodia melancólica.
Imagino que ele levava uma vida solitária fora da cabine e, por isso, até gostava de ser ascensorista, ocupação aparentemente aborrecida, mas que o fazia sentir-se vivo e útil num mundo que já não era o seu. Ou talvez só precisasse mesmo do salário ao fim do mês.
Havia dias em que ele ficava estranhamente monossilábico. Por mais entusiasta que fosse o "bom dia" do advogado do nono andar, o velhinho mal respondia, limitando-se a apertar o botão do andar correspondente. Nesses dias, ele não ficava em pé, mas sentado, encolhido no pequeno banco dobrável ao lado da manivela e do painel de botões do elevador. Parecia que sofria com alguma dor.
Umas poucas vezes presenciei ele murmurando alguma reclamação indecifrável, que os passageiros não se esforçavam para entender e concordavam com frios acenos de cabeça, sem tirar o olhar do indicador dos andares.
Mas essas eram raras ocasiões. Na maioria dos dias ele demonstrava ser feliz na clausura compartilhada da cabine.
Não havia tempo suficiente em minha rota (do térreo ao quarto andar), para saber se ele era casado, tinha filhos, netos ou bisnetos, gostava de ler, ou se conheceu meu avô no bairro do Seminário dos anos 30 do século XX. Será que ele morava numa casa com familiares ou sozinho num quarto de pensão da Saldanha Marinho? Qual era seu sobrenome? Era descendente de italianos, alemães, poloneses? Nunca soube.
Somente uma vez o vi fora daquele cubículo. Era uma tarde de verão e ele saia do prédio após seu turno, caminhando pelo calçadão em direção à Rua XV de Novembro. Quase não o reconheci sem o guarda-pó azul claro. Arqueado, com uma das mãos segurando na alça de uma velha bolsa colegial de lona que levava a tiracolo. Seu andar era lento e cuidadoso, carecendo de um apoio. Foram só alguns segundos e o perdi de vista na multidão.
Mudei de emprego e o velho ascensorista octogenário ficou num canto de minhas memórias, ressurgindo somente quando eu via algum idoso parecido com ele ou passava em frente ao - cada vez mais - antigo prédio. Mas hoje lembrei dele sem nenhum motivo. Pode ser que hoje, finalmente, eu tenha tomado coragem para voltar naquele elevador e ter com ele uma longa conversa. Sim, vou fazer isso. Perguntarei sobre sua vida, suas experiências e suas dores. Quem sabe ele puxe do bolso traseiro uma velha carteira de couro e dela retire fotos amareladas de sua esposa, filhos e netos. Quero saber também o dia de seu aniversário, anotar em meu smartphone para, talvez, presenteá-lo com uma nova boina de lã ou um pente de osso comprado na "Casa Coelho", que fica a poucas quadras do prédio. Acho que ele abrirá um sorriso e agradecerá, constrangido por não saber meu nome...
Mas já passaram quase quatro décadas desde que eu conheci. O velhinho ascensorista deve estar agora com uns 120 anos de idade...
Se eu encontrá-lo, a conversa será longa e precisarei pedir um andar muito, muito alto.
[F.R.Luz]