Sobre Todos os Nomes
Manhã ensolarada de domingo. O Reverendo seguia em seu carro para mais uma conferência na Universidade Teológica. Erudito, protestante histórico, letrado, articulista e calvinista até a raiz dos cabelos, ele ensaiava mentalmente sua palestra sobre a união hipostática em Cristo enquanto dirigia.
Numa esquina, um agente de trânsito parou o fluxo de veículos para dar passagem a uma procissão da paróquia católica local.
O cortejo passava, entoando canções e rezando. Havia muitas crianças e idosos, mas poucos jovens. Alguns fiéis seguravam velas acesas, protegidas do vento por garrafas PET cortadas ao meio. O douto mestre contemplava a cena enquanto aguardava a liberação da via. Pensava nas almas não eleitas para a salvação e se conformava: “Ao Senhor pertence a salvação", refletia, lembrando a sua responsabilidade em proclamar o Evangelho.
De repente, sua atenção foi despertada por um homem que caminhava entre os fiéis, aparentemente sem ser notado pelos demais. Sem sair do fluxo da multidão, o homem se abaixou para ouvir o que uma menina de vestido branco sussurrava. Em seguida, ele repousou uma das mãos sobre o ombro de um idoso de rosto triste e, depois, acompanhou o caminhar lento de uma mulher sozinha, compenetrado em observar seus olhos assustados, como se estivesse lendo os pensamentos dela.
Subitamente, o homem voltou seu olhar para o professor e sorriu, como se fosse um velho conhecido.
O estranho que o olhava nos olhos também parecia familiar ao religioso. Ele balançou levemente a cabeça em resposta à inesperada saudação.
Depois, ainda sorrindo, o Homem se virou e abraçou uma velha senhora que tinha os cabelos cobertos por um véu negro. Ela rezava balbuciando palavras e cerrando os olhos, apertando entre as mãos as contas de um terço de plástico azul. O Homem a amparou e seguiu com ela, misturando-se à multidão que caminhava.
[F.R.Luz]