Um Terreno Vazio

            Naquele terreno urbano já existiu uma casa que foi o lar de várias gerações de uma família. As crianças cresceram, os pais foram morar no litoral, ou em funcionais apartamentos, e os avós partiram para a eternidade.
            A casa ficou fechada, escura, silenciosa e vazia por longos meses. O mato tomou conta de jardins, hortas e calçadas. Até que foi demolida e reduzida a uma pilha de entulho devidamente transportada para longe. Bastou apenas uma semana para que tudo o que foi construído e reformado em décadas viesse abaixo e, literalmente, sumisse. Restou como testemunha do passado somente um pedaço de parede azulejada no limite com a casa vizinha, onde fora um banheiro. No mais, só o solo avermelhado, raspado por potentes máquinas.
            Toda obra humana que havia naquele pequeno e particular universo desapareceu: a cozinha que foi oficina e palco de milhares de refeições, discussões e conversas amenas; a sala que já havia sido cenário de aniversários e jantares em família; os quartos, sagrados refúgios de pais e filhos, a banheira em que bebês foram carinhosamente lavados por assustadas mães de primeira viagem... Também se foram o quintal em que crianças brincaram; a varanda em que o avô descansava; o jardim onde havia um balanço de corda e pneu e a casinha dos muitos cachorros que ali viveram. Tudo reverteu ao primitivo chão, selvagem, neutro e impessoal.
            A casa era um corpo que envelheceu serenamente. Cumpriu sua jornada, enfrentou suas dores e, finalmente, expirou devolvendo à natureza a matéria bruta que o constituía. Depois de algum tempo, quando as ervas daninhas já retornavam ao solo raspado, algo começou a acontecer. Caminhões com pedras, máquinas e homens surgiram. Colunas fortes de concreto foram levantadas e serviram de base para paredes imaculadamente brancas. Uma nova casa foi edificada.
            Outras pessoas viverão nela, outras crianças nascerão e brincarão em balanços diferentes e existirá nela um florido jardim, exatamente onde ficava a antiga cozinha. Outros pais e avós passarão tardes preguiçosas em redes penduradas nas árvores que ainda serão plantadas.
            A terra agora pertence a eles, como sempre pertenceu.
            A vida sempre retorna.



[F.R.Luz]